24 de junho de 2008

"Eis que o leitor..."

Bom, cheguei esta manhã para dar uma olhada aqui no blogue... Já faz tanto tempo que não venho aqui, e eis que estava lá um sujeito na porta do blogue, à minha espera.

— Bom dia. O senhor é o Juva?

— Sou eu mesmo. Bom dia.

— É o senhor que supostamente seria aquele da blague, a “blague do Juva”, não é isso?

— É isso mesmo — respondo. — E o senhor é quem?

— Eu sou quem?! Quem o senhor acha que eu sou?

— Bom. Um leitor, talvez.

— Pois é isso mesmo. Sou um leitor.

— Bom dia, eu sou o...

— Eu sei quem o senhor é. O senhor é o autor do blogue, ou, pelo menos, deveria ser...

— OK, OK. Já percebi — disse eu, sentindo o peso da culpa.

— Já percebeu? E percebeu o quê?

— Já faz um bom tempo que não apareço por aqui. Deve ser por isso que o senhor está me olhando assim com essa cara feia...

— E imagino que o senhor deva ter alguma boa razão para ter sumido assim por tanto tempo... Imagino.

— Eu não sei bem se devo me sentir assim tão culpado... Não fiz mal a ninguém. Apenas parei por um tempo e...

— Não fez mal a ninguém?! O senhor coloca um blogue no ar, começa a contar nesse blogue histórias as mais variadas sobre a sua vidinha aí em Portugal, aliás, uma vidinha bastante sem graça essa que o senhor tem, não é mesmo? Convenhamos... Mas, de todo modo, o senhor consegue tirar dessa vidinha sem graça algumas boas histórias que até têm lá a sua graça. Aliás, têm bastante graça, e eu tenho um fraco por histórias engraçadas, hum..., eu até criei um termo para definir as suas histórias: histórias hilário-banais. O senhor é bastante bom nisso: em nos contar histórias hilário-banais.

— Obrigado — e corei. — O senhor falou no plural: em nos contar histórias hilário-banais. O senhor sabe de mais gente que vem, ou melhor, que vinha aqui?

— Sim. Havia aí uma data de gente. Pelo menos aqui de Lisboa eu cheguei a conhecer dois e meio.

— Dois leitores e meio? Não entendo...

— Eram duas leitoras: duas senhoras ali do Chiado, e um senhor que só lia até à metade.

— Ah...

— Mas o senhor me desconcentrou. Eu estava a dizer que o senhor então coloca o seu blogue no ar, nos diverte a todos com a estupenda banalidade da sua vida, dá-nos de vez em quando uns bons bocados de boa literatura. Refiro-me não à do senhor, é claro, que eu não sei se o senhor é ou não um literato, mas à literatura dos outros, que o senhor compila, ou compilava, no seu blogue. E, de repente, o senhor some, desaparece, abala, como se diz no Alentejo, deixando-nos na mão, a dar com os narizes na porta...

— O senhor está falando como se eu os tivesse abandonado, deixando-os órfãos. Eu não estava propriamente responsável por vocês... Há muitos blogues no mundo, e...

— Então não?! Então não estava?! A pessoa acostuma-se a todos os dias fazer algumas coisas sempre da mesma maneira. E todos os dias cá vinha eu: saía para navegar e vinha cá ao sítio onde está ancorado o seu blogue, e dizia a mim mesmo: “Vamos lá ver o que é que aquele gajo lá de Santo Amaro escreveu sobre a vida besta que ele leva. Aquilo tem piada”, dizia eu a mim mesmo. “Aquilo tem sempre alguma piada, por mais banal que seja a coisa...”. Eu então vim cá, num determinado dia, ao seu blogue, e pum!, dei com o nariz na porta. Voltei no dia seguinte. Pum! Dei com o nariz na porta do blogue. Pensei: “O gajo deve estar doente. Ou então não tem acontecido mesmo nada nada na vida dele, e nem com isso ele conseguiu escrever uma história. A criatividade de um vivente tem mesmo limites...”. Mas eu não desisti, e vim cá todo santo dia para ver que nada havia.

— Pois.

— Pois?! É só isto que o senhor tem a dizer. Pois?! Já viu como é que isto aqui está? Está imundo! O senhor não põe aqui os pés há quanto tempo?

— Desde do dia 1º de abril de 2008...

— E ainda por cima escolheu este dia... E escreveu lá que o blogue andava paradinho, e coisa e tal. E que havia tanta coisa no mundo para se ler e para se ouvir e para se assistir, e para se escrever, que não era possível não ficar ansioso... E depois o senhor não escreveu mais nada! Desde o dia 1º de abril! E nós estamos no dia 24 de junho! Francamente!

— O senhor tem razão...

— Pois é claro quem tenho razão!

— Mas eu também tenho lás as minhas razões...

— E quais são elas? Creio que, como seu leitor, tenho o direito de saber...

— Bom, estou a escrever um livro, e estou nas fases finais, e isto está tomando todo o tempo e...

— Todo o tempo?!

— Sim. Todo o tempo. Por quê?

— O senhor tem tempo para tomar banho?

— Tenho. Em dez ou quinze minutos eu tomo um banho.

— Pois então deixe de tomar banho pelo menos uma vez por semana e dedique estes dez ou quinze minutos do seu preciso tempo para escrever cá para nós uma notinha qualquer, um alô, um poeminha, qualquer coisa que seja...

— Isso me parece um exagero e...

— O senhor não se diz um escritor? Um escritor não é uma coisa assim à toa, não é mesmo? Há de haver alma nesta história de ser um escritor... Deixar de tomar banho um dia não me parece assim tão dramático... Há escritores que se trancaram nos seus quartos e ficaram dias sem comer e sem dormir e sem conversar com ninguém, num isolamento bastante invulgar, somente para estarem totalmente entregues à sua arte. Eu estou a pedir ao senhor, em meu nome e no nome das duas senhoras de Lisboa e ainda daquele senhor que só lê até à metade, que o senhor se dedique com um pouco mais de disciplina ao seu blogue...

— Vou tentar. É que, como eu disse, estou escrevendo um livro e...

— E o senhor vai sacrificar um banho por semana, ou uma de suas “natações” diárias, para meter aqui dentro uma notinha qualquer.

— Sei...

— O senhor não tem feito nada ultimamente? Nada que mereça um comentário qualquer? Mas que diabo de vida o senhor tem? Não lhe acontece nada? A sua filhinha mais nova, a miúda de 1 ano de idade... Como é mesmo o nome dela?

— Clarinha.

— A Clarinha já começou a andar?

— Já. Já começou...

— E então? Ela cai muito?

— Caía mais no início. Agora cai menos. Mas ainda leva uns tombos.

— Escreva sobre isso.

— Mas isso é por demais banal. Isso acontece com todo o mundo!

— O senhor está a se referir a todos que tenham 1 ano de idade...

— Claro, claro...

— E o senhor acha que as outras coisas que o senhor escreveu não acontecem com todo o mundo? O senhor se acha muito especial?

— Não, não! Nem um pouco especial. Muito pelo contrário! Não vejo quem é que se interessaria, fora a família, imagino..., em saber que a Clarinha caía muito no início, mas agora cai menos, embora ainda leve lá alguns tombos... Aliás, a coisa é mesmo engraçada, porque ela cai de bunda, a fralda amortece o tombo, e ela ri. O senhor precisava ver... A Clarinha é especial...

— Viu? Viu como o senhor, se for bem cutucado, pode escrever sobre o que quer que seja? O mundo é vasto, sr. Juva! Há sempre alguém que pode se interessar pelo que quer que seja...

— É...

— Fale mais da Clarinha. Ela já come com sal?

— Agora começamos com o sal, aos pouquinhos...

— E dorme bem?

— Ô, eu até escrevi sobre isso aqui no blogue. Veja, está ali, na parede do dia 1º de Fevereiro de 2008.

— Estou a ver... “Nana, neném” — ou A Nossa Senhora do Método”.

— Isso mesmo. A Clarinha dorme 12 horas à noite; 2 horas no meio da manhã e duas horas no meio da tarde. Aliás, é porque ela está dormindo que eu estou aqui. Decidi dar um pulinho até aqui. Já fazia tanto tempo... Se eu soubesse que iria encontrar um leitor aqui...

— Se soubesse, não vinha, certo?

— Não, não. Se soubesse, vinha até com algum textinho, um poeminha, uma notinha...

— E o que mais o senhor tem feito, além de tomar banho, nadar, cuidar da Clarinha e escrever o seu novo livro? Tem ido a Lisboa?

— Fui outro dia à Biblioteca Nacional...

— Fazer o quê?

— Olhe que isto até dava uma notinha para o blogue! Fui assistir a um encontro-debate com o sr. Saramago e a sra. Maria Kodama, a viúva do sr. Borges.

— … E não lhe ocorreu, sr. Juva, escrever sobre isso?

— Não.

— Estou chocado!

— Bom, vou escrever sobre isso então. Vou tentar. Agora preciso ir, porque a Clarinha está acordando... Foi um prazer conhecê-lo. Hum... Como se chama?

— Heitor.

— Heitor, o leitor. O leitor Heitor... Interessante...

— Esta associação é velha...

— Desculpe.

— Tudo bem. Também preciso ir. Tenho outros blogues para visitar... Então, sr. Juva? O senhor promete que vai tentar estar mais presente aqui neste blogue?

— Não prometo nada.

— Isto já é alguma coisa. Passar bem.

— Adeus, sr. Heitor!