14. “Ponte Aérea Rio-Lisboa”, Revista Lilica and Tigor, São Paulo, mai. 2014 (data aproximada).
Então perguntei a ela se já
havia terminado o banho e se eu poderia ajudá-la com a toalha.
— Eu já tenho set’anos, papá!
Já sei secar-me com a toalha!
E eu disse à Clara que sim,
que sabia perfeitamente disso: que ela já estava crescida. Tinha, afinal, viajado
sozinha de avião: de Portugal para o Brasil.
— E portei-me muito bem, papá.
Fiquei sentada o tempo todo. Quer dizer, quase o tempo todo… Houve uma vez em que
brinquei às escondidas com a mana…
Arregalei os olhos: “Brincar
de esconde-esconde dentro de um avião?!” Perguntei se a aeromoça não tinha dado
uma bela bronca nas duas.
— Não, papá. As hospedeiras da
TAP até riram. E brincamos também às corridas...
— Brincaram de pique-pega? No
avião?!
— Sim, mas paramos. As
hospedeiras disseram que deveríamos parar. E eu parei. Já sou crescida… Percebo
as coisas.
— O que é que tu percebes,
minha filha?
— Percebo que agora moras
mesmo de vez no Brasil, e que a mamã vai continuar a morar em Portugal. Mas
percebo outras coisas. Percebo que eu e a mana não precisamos de ter um país;
podemos ser como certas pessoas que não têm sítio. A palavra que a professora
ensinou na escola é “nômade”.
Eu lhe disse que talvez fosse
um bocado cedo para ela e a irmã serem pessoas “nômades”.
— Mas eu já tenho set’anos,
papá! Se eu e a mana já sabemos viajar de avião sozinhas, já sabemos fazer quase
tudo, não é mesmo? Tu mesmo já disseste que andar pelos aeroportos e andar de
avião pelo mundo são coisas complicadas de se fazer, e que tens até um amigo
que nem tem medo de avião, mas tem medo é de aeroporto, de tão tramado que é.
Ora, eu e a mana já entendemos das duas coisas. E eu não tenho medo de
aeroporto.
— Vira de costas. Deixa eu
secar teu cabelo.
Ela se virou, e eu até estranhei
que tenha se virado numa boa, sem dizer que sabia muito bem como secar o cabelo
e que não precisava da minha ajuda, uma vez que já tinha sete anos. Mas a
criatura estava no meio de um raciocínio:
— Alguns amigos teus, papá,
disseram-me que sou tão linda e fofa que eles gostariam de me adotar. Foram
praí uns quatro ou cinco que disseram isso…
— Sei… E?...
— E eu pensei, não nos teus
amigos, mas em outra coisa. Numa ideia bué gira, numa ideia maneira, como tu
dizes aqui no Brasil, estou a tentar falar brasileiro... A ideia é: e se eu e a
mana formos adotadas, não pelos teus amigos, mas por uma hospedeira da TAP, ou
mesmo duas? Eu e a mana podemos ser como as tais pessoas nômades, e estar
sempre a viajar de Lisboa ao Rio, e podemos ver-te sempre, a ti e a mamã, e não
morar em sítio algum, nem no Brasil e nem em Portugal. O que é que achas disso?
— …
— Tu não precisas responder
agora. Pensa um pouco... E larga meu cabelo, papá. Já sei secar-me sozinha. Já
tenho set’anos!