27 de novembro de 2011

25 de novembro de 2011

19 de novembro de 2011

"Portugal e Brasil: cultura e literatura - Os outros oceanos da Lusofonia"

"4. Encontros de Lusofonia Torres Novas"
14 a 19 de Novembro de 2011, Torres Novas.

Câmara Municipal de Torres Novas, Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes (membro da Rede de Bibliotecas Associadas da Unesco), Teatro Virginia.

Local: Auditório da Biblioteca - BMGPL.

Dia 19: "Portugal e Brasil: cultura e literatura - Os outros oceanos da Lusofonia".
Mediador: Rui Lagartinho.
Com: Andrea Del Fuego, João Tordo, Eduardo Salavisa e Juva Batella.

27 de outubro de 2011

O eterno autor inédito - Escrever para a infância e a juventude

Colóquio Internacional de Literaturas de Língua Portuguesa para Crianças e Jovens.


26 a 27 de Outubro de 2011, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Escolas Básicas e Secundárias da Rede Oficial.

Dia 27: Mesa 5 - "Escrever para a infância e a juventude" (escritores).
Mediadora: Ana Paula Tavares.


Com: Alice Vieira, Juva Batella, Renata Farhat Borges e Noémia Malva Novais.

Publicado em:
Batella, Juva. "O eterno autor inédito". Colóquio internacional de literaturas de língua portuguesa para crianças e jovens. Lisboa: LusoSofia Press, 2011, v. 1. pp. 371-375.

Palestras em Escolas Básicas e Secundárias da rede oficial com protocolos de cooperação com os Mestrados em ensino da Universidade de Lisboa.

CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Escola de Gil Vicente, Colégio Militar, Escola Secundária de Carcavelos e Escola Lima de Freitas.



Locais: Escola de Gil Vicente, Colégio Militar, Escola Secundária de Carcavelos e Escola Lima de Freitas

4 de outubro de 2011

“Manuel, Arnaldo e Getúlio: as três linhas retas de três obstinados heróis brasileiros”

IX Seminário Internacional de História da Literatura
(4 a 6 de outubro de 2011).

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
Faculdade de Letras da PUCRS, Porto Alegre

22 de setembro de 2011

13 de setembro de 2011

"Para acabar de vez com a leitura - Cânone, ou a vã glória de ler e escrever"

Outras Quartas - Para acabar de vez com a leitura

14 de Setembro de 2011, Chapitô, Lisboa.
"Cânone, ou a vã glória de ler e escrever".

Mediadora: Eurídice Gomes.
Com: Juva Batella, Maria do Rosário Pedreira, Miguel Real e Ricardo Duarte.

11 de setembro de 2011

As belas e deliciosas tretas internéticas

Muito se difundem as tretas, e ainda bem, porque vamos conhecê-las. Mas bem que valia sabermos serem as tretas tretas. Recebi esta, que achei impossivelmente maravilhosa. O texto que a acompanha é convincente. Diz que devemos lê-lo antes de assitir ao vídeo, diz que todas as bolas caem nos cones e que a "incrível máquina foi construída como um esforço colaborativo entre o Robert M. Trammell Music Conservatory e a Sharon Wick School of Engenharia (sic) da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos da América". Estas instituições existem? Não consegui chegar a nenhum site oficial. Diz também que 97% dos componentes da máquina vieram da John Deere Industries and Irrigation Equipamentos de Bancroft, Iowa...". Um toque de absurdidade dá mais credibilidade à coisa... E, com alguma ênfase, o texto anexo ao vídeo diz que "a equipa gastou 13.029 horas entre setup, alinhamento, calibragem e ajustes", antes de filmar a maquininha em acção. E, para terminar, ficamos a saber que a máquina está agora "em exibição no Matthew Gerhard Alumni Hall", e que vai ser doada "ao Smithsonian".

Com trinta segundos de alguma pesquisa básica descobri que provavelmente a máquina é falsa. Digo "provavelmente" porque também não sei se é falsa a afirmativa de que a máquina é falsa, mas creio ser falsa a máquina (lindamente falsa) e ser verdadeira a afirmativa que diz ser falsa a máquina. Estou convencido, na verdade, de que mais bela é a máquina, mais belo o que ela faz, sendo a dita cuja uma criação total, sem nenhuma correspondente real. Pelos vistos, a máquina não existe mesmo. Não tem engrenagens e nem precisa de óleo, embora, acredito também, seja fruto de muito trabalho - um belo trabalho, e que deve ter demorado horas, muitas horas de dedicação. A máquina é ainda mais bela se considerarmos isso.

O site em que me baseei, aliás, especializou-se no descortinar das tretas internéticas que circulam por aí há tempos - tipo manga com leite e laranjas antes de dormir.

Vamos esquecer, então, a verdade e a mentira, e vamos ouvir, encantados, "A máquina"?



6 de setembro de 2011

"Masculinidade, obsessão e memorialismo na literatura" - Curso de Verão 2011

"América Latina Hoje" (Curso de Versão 4a.edição)
5 a 9 de Setembro de 2011, ISCTE-IUL, Lisboa.
Organização: Casa da América Latina; Centro de Investigação e Estudos de Sociologia e Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL); e Instituto de Iberoamérica da Universidade de Salamanca.

Dia 7: Seminário 5 - "Masculinidade, obsessão e memorialismo na literatura", por Juva Batella (CLEPUL).

1 de setembro de 2011

“Um estranho no sofá”

6. “Um estranho no sofá” (“Tratado geral dos pais ciumentos  — ou a ‘arte de amarrar genros’"), Revista Lilica and Tigor, São Paulo, set. 2011 (data aproximada).

Ser pai de duas miúdas bonitas (a minha opinião é isenta, não me canso de repetir isto)… ser pai de duas miúdas lindíssimas, como eu dizia, tem os seus percalços. Mais cedo ou mais tarde o tema dos namorados ou dos arremedos de namorado acaba vindo à baila, e um pai, que é homem e conhece os homens, deve saber como se portar para não passar por bobo e ciumento. A curiosidade acerca do tema do namoro e do amor, e, na boleia disto (ou seja, na carona disto), acerca do tema dos beijos na boca, é um impulso que funciona em ondas, e os discursos das miúdas muitas vezes caminham no sentido contrário ao das ações.

A minha filha Alice, que tem nove anos e é o máximo (eu já disse isso?), não pode ouvir falar em beijo na boca, que vira o rosto e faz cara de nojo, como se um beijo na boca fosse a coisa mais inconcebível para uma criatura racional. Ao mesmo tempo, espicha o pescoço, mal conseguindo disfarçar a curiosidade, quando me vê ao telefone a trocar torpedinhos com a minha namorada, e quer porque quer saber o código de acesso do meu telemóvel (celular), e quer porque quer saber o teor daquilo que eu tão marotamente escrevo no telemóvel, fazendo cara de levado-da-breca.

A Clarinha, que tem quatro anos e é irresistível (isso eu ainda não havia dito), diz a todos, mesmo que não perguntem (e falava o meu avô que não existem perguntas indiscretas; existem é respostas indiscretas)… a Clarinha anuncia aos sete cantos do mundo que tem dois namorados, um mais novo do que ela (“… para eu ensinar a ele coisas, papá”), e outros mais velho do que ela (“… para ele me ensinar coisas, papá”); diz que já beijou na boca várias vezes, manifesta sempre a vontade de me dar a mim um beijo na boca; avisa que há pelo menos três colegas da escola, da mesma idade, que querem ser o namorado dela; e diz que eu, uma vez que sou brasileiro mas moro em Portugal, e portanto tenho amigos dois lados do oceano, deveria ter, no mínimo, duas namoradas: uma aqui e outra lá, diz ela (“… é bem melhor assim, papá; assim não ficas com saudades de namorar…”).

Provavelmente, daqui a poucos anos, eu me verei na situação de enfrentar estas duas miúdas novamente numa posição inversa: a Clara com esgares de face diante de um beijo na boca flagrado numa televisão ou numa página de revista, e a Alice, bem mais maliciosa daqui a alguns anos, a disfarçar melhor, bem melhor, o seu interesse, mais real e mais cheio de perspectivas, diante da possibilidade de ela mesma dar, nalgum dia, o seu primeiro beijo na boca. Não vou agir como um amigo um dia me segredou, talvez a citar alguém e referindo-se aos pretendentes da sua filha: “Divido-os em dois, meu caro Juva”, disse ele. “Aqueles que eu detesto e aqueles que eu desprezo.” Não. Tentarei ser bem mais civilizado: vou amarrá-los numa cadeira e pedir que jurem, de pés juntos (e isso vai ser fácil, porque os pés estarão amarrados a um pé da cadeira)… vou pedir que jurem que jamais se deixarão amarrar em cadeiras por um pai-de-princesas ciumento e bobo.

20 de agosto de 2011

Wim Wenders e aprendenders

"Na faculdade de arquitetura, alguém (já não recordo quem) me deu este conselho útil: ´Quando a borracha cair no chão, não se precipite a pegá-la de volta; siga-a com os olhos enquanto salta e saltita, até parar, e só então vá pegá-la´. E, analogamente: ´Na hora de fechar os tubos de tinta, depois de ter usado vários às pressas, não se deve nunca andar com o tubo à procura da tampa; primeiro pegue a tampa e depois vá em busca do tubo. É bem mais fácil´."

(STEINBERG, Saul. “4. Desenho de observação. Os reflexos, as sombras. O ofício de cartunista. Vender as próprias obras. O mundo artístico. O marceneiro Sig Lomaky”, em __________. Reflexos e sombras (com a colaboração de Aldo Buzzi). Trad. Samuel Titan Jr. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2011, p. 165.)

(Desenho de Steinberg.)

7 de agosto de 2011

Vida besta do Portugal (Brasil) profundo

"... umas moças velhas com os cotovelos aparafusados nas janelas, olhando mortas, todas murchas, nem falam. Vez em quando, uma vira a cabeça para o lado e fica o tempo todo, com aquela cabeça virada, com preguiça de desvirar e fica lá, como uma planta."

João Ubaldo Ribeiro, Sargento Getúlio, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, p. 31.

6 de agosto de 2011

"Perda e recuperação do cabelo"

"Para lutar contra o pragmatismo e a horrível tendência à consecução de fins úteis, meu primo mais velho defende a prática de arrancar um bom fio da cabeça, dar-lhe um nó no meio e deixá-lo cair suavemente pelo buraco da pia. Se o cabelo ficar preso no ralo que costuma haver nesses buracos, bastará abrir um pouco a torneira para que se perca de vista.

"Sem perda de um instante, deve-se iniciar a tarefa de recuperação do cabelo. A primeira operação se resume em desmontar o sifão da pia para ver se o cabelo ficou agarrado em alguma das sinuosidades do cano. Se não for encontrado, deve-se abrir o pedaço de cano que vai do sifão ao encanamento do esgoto principal. É certo que nessa parte aparecerão muitos cabelos e será preciso contar com a ajuda do resto da família para examiná-los um por um à procura do que tem o nó. Se não aparecer, colocar-se á o interessante problema de quebrar o encanamento até o andar de baixo, mas isso significa um esforço maior, pois durante oito ou dez anos será necessário trabalhar em algum ministério ou numa casa de comércio para juntar o dinheiro que permita comprar os quatro apartamentos situados embaixo do de meu primo mais velho, tudo isso com a extraordinária desvantagem de que enquanto se trabalha durante esses oito ou dez anos não se poderá evitar a penosa sensação de que o cabelo não esteja mais no encanamento, e que só por um remoto acaso permaneça preso em alguma saliência enferrujada do cano.

"Chegará o dia em que poderemos quebrar os canos de todos os apartamentos, e, durante meses, viveremos cercados por bacias e outros recipientes cheios de cabelos molhados, assim como de curiosos e mendigos, aos quais pagaremos generosamente para que procurem, separem, classifiquem e nos tragam os cabelos possíveis, a fim de alcançarmos a certeza desejada. Se o cabelo não aparecer, entraremos numa etapa muito mais vaga e complicada, porque o trecho seguinte nos leva aos esgotos maiores da cidade. Depois de comprar uma roupa especial, aprenderemos a nos esgueirar pela rede a altas horas da noite, armados com uma poderosa lanterna e uma máscara de oxigênio, e exploraremos as galerias menores e maiores, se possível ajudados por marginais com quem teremos travado relação e a quem precisaremos dar grande parte do dinheiro que ganhamos durante o dia em um ministério ou numa casa comercial.

"Frequentemente teremos a sensação de haver chegado ao fim da tarefa, porque encontraremos (ou nos trarão) cabelos semelhantes ao que procuramos; mas como não se conhece nenhum caso em que um cabelo tenha um nó no meio sem a intervenção da mão humana, acabaremos quase sempre por comprovar que o nó em causa é um simples engrossamento do diametro do cabelo (embora tampouco conheçamos algum caso parecido) ou um depósito de algum silicato ou óxido qualquer, provocado por uma longa permanência numa superfície humida. É provável que avancemos assim por diversos trechos de esgotos menores e maiores, até chegarmos a esse lugar onde ninguém se atreveria a penetrar o esgoto principal que desemboca no rio, na junção torrencial dos detritos na qual nenhum dinheiro, nenhum barco, nenhum suborno nos permitirão continuar a busca.

"Mas antes disso, e talvez muito antes, a poucos centímetros do buraco da pia, por exemplo, na altura do apartamento do segundo andar, ou no primeiro encanamento subterrâneo, pode acontecer que encontremos o cabelo. Basta pensar na alegria que isso nos provocaria, no cálculo espantado de esforços economizados por pura sorte, para justificar, para exigir praticamente uma tarefa semelhante, que todo professor consciente deveria aconselhar a seus alunos desde a mais tenra infância, em vez de secar-lhes a alma com a regra de tres composta ou com as tristezas de Cancha Rayada (1)."

(1) Episódio histórico, também chamado na Argentina El desastre de Cancha Rayada, batalha perdida pelas forças do General San Martín no Chile, para os espanhóis, em abril de 1817, pouco antes da vitória de Maipú. (Nota da Tradutora).

Julio Cortázar, Histórias de Cronópios e de Famas, trad. Glória Rodríguez, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972, p. 34-36.

13 de julho de 2011

O mágico círculo da linguagem

"Um galo [de Barcelos] sozinho não tece uma manhã" (João Cabral de Melo Neto), a língua portuguesa, inculta e bela, o amor, os rios, o mar, Babel e os marcianos, os Dogon, Borges, os deuses pagãos e as segundas, terças e quartas feiras [de livros], o [des]Acordo Ortográfico, Nossa Senhora da Oratória. Uma imperial, s.f.f.

12 de julho de 2011

“A Língua Portuguesa deságua em delta”

"29. Feira do Livro de Barcelos"
8 a 17 de Julho de 2011, Lisboa.

Dia 13: Tertúlia - “A Língua Portuguesa deságua em delta”, sobre a escrita lusófona.

Mediador: Vergílio Alberto Vieira.
Com: José Luís Tavares (Cabo Verde), Luís Carlos Patraquim (Moçambique), Juva Batella (Brasil) e Rui Vieira (Portugal).




4 de julho de 2011

Como diria o Nabokov, “opiniões fortes”

“Se o discurso cultural brasileiro comporta uma espécie de esquizofrenia latente devida à preocupação, afinal absurda, de procurar uma identidade imaginária numa indianidade a posteriori, forma de recalcar o acto fundador português, o discurso português sobre o Brasil é pura e simplesmente retórico e onírico. Esse discurso sem qualquer conteúdo real está, há muito tempo, ritualizado em formas convencionais. Para nós, portugueses, o Brasil é o país irmão, designação que nos envaidece, naturalmente, mas que, no fundo,  tem por objectivo esconder a relação de origem que os brasileiros não estão interessados em evocar. O discurso português sobre o Brasil, tal como o transmite uma longa tradição retórica e historiográfica, incessantemente reescrita, é produto de uma pura alucinação da nossa parte, alucinação que os brasileiros — há pelos menos um século — não ouvem nem compreendem.”

Eduardo Lourenço, “Uma língua, dois discursos”, in A nau de Ícaro e Imagem e miragem da lusofonia, São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 149.

3 de julho de 2011

No prelo...

O último carrinho de mão transportado pela Língua Portuguesa vinha cheio até à boca não de poesia portuguesa dos séculos XIII e XIV, que disso já não havia mais nada, mas de livros de autoajuda, com os títulos variando entre Como ser feliz em quarenta minutos e por vinte anos seguidos, Como alcançar o seu Eu Profundo em dez lições, Como modelar sobrancelhas, Como chegar à Paz Interior em sete semanas, Como continuar bonita após longas viagens, Como lembrar de seus sonhos, Como ser rico por dentro sendo pobre por fora, Como comer muita salada e ter poucos gases, Como falar inteligentemente de livros que nunca leu, Como entender a nomenclatura de aeronaves europeias, Como manter a autoestima tendo baixa altura, Como se manter distante dos livros de autoajuda, e outros, muitos outros.

30 de junho de 2011

“A Biblioteca” e “A Cidade” — entre quatro aspas

"Falaram-me várias vezes do homem que, numa casa do bairro de Flores, esconde a réplica de uma cidade em que trabalha há vários anos. Construiu-a com materiais insignificantes e numa escala tão reduzida que podemos vê-la de uma só vez, próxima e múltipla e como que distante na suave claridade da alba.

“A cidade está sempre longe e essa sensação de distância tão próxima é inesquecível. Vêem-se os edifícios e as praças e as avenidas e vê-se o subúrbio que se esbate para oeste até se perder no campo.

“Não é um mapa, nem uma maqueta, é uma máquina sinóptica; a cidade está toda ali, concentrada em si mesma, reduzida à sua essência. A cidade é Buenos Aires, mas modificada e alterada pela loucura e a visão microscópica do construtor.

“O homem diz chamar-se Russell e é fotógrafo, ou ganha a vida como fotógrafo, e tem o seu laboratório na calle Bacacay e passa meses sem sair de casa a reconstruir periodicamente os bairros do sul que as cheias do rio arrasam e enterram cada vez que chega o Outono.

“Russell acredita que a cidade real depende da sua réplica e por isso está louco.”

Ricardo Piglia, “Prólogo”, in O último leitor, trad. Jorge Fallorca, Lisboa, Teorema, 2005, p. 9-10.

28 de junho de 2011

A bola de neve

"Os intérpretes simultâneos na ONU traduzem — através de um complexo equipamento — os discursos dos delegados na mesma velocidade em que estes normalmente falam. Se uma palavra crucial para o debate for traduzida de modo incorreto, precisa ser revista no decorrer da discussão, sob o risco de transformar as conversações numa festa do Chapeleiro Louco, extraída de Alice no País das Maravilhas. Um incidente assim ocorreu durante a época da descolonização, quando um representante do rapidamente minguante Império Britânico lia um relatório das atividades de uma região sob custódia do Reino Unido durante uma Assembleia. Quando falava das tentativas do pessoal do lugar (antigamente denominado apenas ´nativos´) para combater as pragas de besouros-rinocerontes, o intérprete russo compreendeu a palavra ´rinoceronte´ (nasaróg, em russo), mas não ´besouro´ (zhook). O delegado soviético, portanto, interrompeu para perguntar como os nativos podiam equipar-se para resistir à invasão de inumeráveis rinocerontes. Recebeu a resposta de que o pessoal do lugar recebia vassouras e baldes de produtos químicos. Isso pareceu ao representante soviético não só armamento insuficiente para combater o ataque de hordas de rinocerontes, mas também prova de má vontade colonialista em distribuir armas de fogo aos africanos para proteção contra o ataque de animais ferozes. ´Ao mesmo tempo´, contrapôs o delegado soviético, com boa dose de farisaísmo ecológico, ´restam apenas algumas centenas de rinocerontes na África; por que deveriam ser exterminados?´ A isso replicou o delegado britânico: ´Ah, não! Há muitos milhões deles. Todas as primaveras eles voam do norte em grandes enxames e comem as cascas das árvores´. A essa altura a discussão já se havia complicado tanto que a sessão precisou ser suspensa, até que a palavra ´besouro´ foi localizada e — finalmente — aposta a 'rinoceronte'.”

Charles Berlitz, “Traduções pouco diplomáticas”, in As línguas do mundo, trad. Heloisa G. Barbosa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988, p. 154-155.

26 de junho de 2011

Companhia: a Vertigem das Letras

Recontextoalização

“Alice was beginning to tire of sitting by her sister on the bank. She took out her iPhone and played Angry Birds for the next three hours.”

“Call me Ishmael_65.”

“Mother died today. I posted it as my Facebook status.”

E mais inícios alterados de romances.

24 de junho de 2011

“Palavra, um jogo sem fronteiras”


Festival do Silêncio
15 a 25 de Junho de 2011, Lisboa (página de jornal e programa com as páginas 1 e 10).

Dia 24: Conversa 5 - “Palavra, um jogo sem fronteiras” (Cinema São Jorge).
Mediador: José Mário Silva.
Com: Juva Batella, José Eduardo Agualusa e Richard Zimler.

Diferentes culturas, diferentes universos, uma paixão única: a palavra. Escrita, dita ou cantada, a palavra enquanto motor para uma cultura transnacional e transversal. Uma conversa moderada pelo jornalista José Mário Silva e que junta à mesma mesa escritores de várias nacionalidades: o brasileiro Juva Batella, o angolano José Eduardo Agualusa e o norte-americano Richard Zimler.

... conversar e bater e debater e rebater e esbater, e silenciar...

... tempo          som          cultura          jogo          fronteira          barriga          mudez          algaravia          universalidade          Platão          fonema          sistema          morfema          pátrias          venenos          histórias          conversas          silêncio          Ulisses          poesia          trovão          mitologia          círculo          magia          conto          iceberg          dinossauros          limite          entardecer          rinocerontes          besouros                      ... (e tomar, depois, uma cerveja)...

22 de junho de 2011

Amarrando cordinhas…

Fala o escritor:

“Tomemos a palavra “thunder” [trovão] e olhemos em retrospecto para o deus Thunor, o equivalente saxão do Thor nórdico. A palavra tunor exprimia o trovão e o deus; mas tivéssemos perguntado aos homens que chegaram à Inglaterra com Hengist se a palavra exprimia o estrondo no céu ou o deus colérico, não acho que seriam argutos o suficiente para compreender a diferença. Imagino que a palavra carregava ambos os sentidos sem se comprometer muito a fundo com nenhum deles. Imagino que, quando proferiam ou escutavam a palavra “thunder”, ao mesmo tempo ouviam o grave estrondo no céu e viam o raio e pensavam no deus. As palavras eram envoltas em mágica; não tinham um significado estanque”.

Jorge Luis Borges, “Pensamento e poesia”, in Esse ofício do verso, org. Calin-Andrei Mihailescu, trad. José Marcos Macedo, São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 85.

Fala o filósofo:

“Tudo a que chamamos mito é (…) algo condicionado e mediado pela atividade da linguagem; é na verdade o resultado de uma deficiência linguística originária, de uma debilidade inerente à linguagem. Toda designação linguística é essencialmente ambígua e, nesta ambiguidade, nesta paronímia das palavras, está a fonte primeva de todos os mitos”.

Ernst Cassirer, “A linguagem e o mito: sua posição na cultura humana”, in Linguagem e mito, trad. J. Guinsburg e Mirian Schnaiderman, São Paulo, Perspectiva, 2000, p. 18.

20 de junho de 2011

"O mar...

"... está sempre em movimento para não sair do lugar. Se o mar saísse do lugar teriam que mudar os mapas. Se o mar ficasse parado ele escorreria para cima das cidades e apagaria os vulcões. A água sobe quando o sol a evapora. O sal da água do mar não evapora. Quando chove sobre o mar a água recupera o sal que havia deixado ali com o resto das águas. Há tanta água na água quanto a água evaporada que há no ar. Há tanta água salgada como lágrima dentro do mar. Quando a água doce do rio chega ela deixa de ser doce porque o mar é maior. E quando requebra na praia é bonito. E tem gente que morre de sede no meio do mar."

Arnaldo Antunes

19 de junho de 2011

Ou então: tudo ao contrário

“Terceiro: em nenhuma circunstância eaqueças o célebre dictum: na literatura não há nada escrito.

(…)

Sexto: aproveita todas as desvantagens, como a insónia, a prisão ou a pobreza; a primeira fez Baudelaire; a segunda, Pellico; e a terceira, todos os meus amigos escritores; evita, pois, dormir com Homero, ter a vida tranquila de um Byron ou ganhar tanto como Bloy.

Sétimo: não persigas o êxito. O êxito acabou com Cervantes, tão bom novelista até ao Quixote. Ainda que o êxito seja sempre inevitável, procura um bom fracasso de vez em quando para que os teus amigos se entristeçam.

(…)

Décimo: tenta dizer as coisas de modo que o leitor sinta sempre que no fundo é tanto ou mais inteligente do que tu. De vez em quando tenta que efectivamente o seja; mas para conseguir isso terás de ser mais inteligente do que ele.”

Augusto Monterroso, “Decálogo do escritor”, in O resto é silêncio, Lisboa, Oficina do Livro, 2007, p. 115-116

15 de junho de 2011

Sim, o final da história

“Entraram no quarto, despiram-se e o que estava escrito que aconteceria, aconteceu enfim, e outra vez, e outra ainda. Ele adormeceu, ela não. Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.”

José Saramago, As intermitências da morte, Lisboa, Editorial Caminho, 2005, p. 214.

iBúqui-se yourself

Hoje, no Bartô do Chapitô, às 22h, este motivo de briga - os livros -, e todos os ecos que produz. Com ou sem nuvens, a vista da ponte, dali do bar, é sempre bonita.

1 de junho de 2011

Uma carta para Borges

"Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986

Nova York, 13 de Junho de 1996

Caro Borges,

(…) Lamento ter de dizer a você que os livros hoje são tidos como uma espécie ameaçada. Por livros, refiro-me também às condições de leitura que tornam possível a literatura e seus efeitos na alma. Em breve, nos dizem, invocaremos em “telas-livro” quaisquer “textos” que quisermos e poderemos alterar seu aspecto, fazer perguntas a eles, “interagir”. Quando os livros se tornarem textos com que “interagiremos” segundo o critério da utilidade, a palavra escrita terá se transformado simplesmente em mais um aspecto da nossa realidade televisual regida pela publicidade. Esse é o glorioso futuro que está sendo criado e prometido para nós, como algo mais “democrático”. É claro, isso significa nada menos que a morte da interioridade — e do livro.

Para essa transição, não haverá nenhuma necessidade de uma grande conflagração. Os bárbaros não precisam queimar os livros. O tigre está na biblioteca. Caro Borges, por favor compreenda que não me dá nenhum prazer queixar-me. Mas a quem melhor que você poderiam ser endereçadas tais queixas sobre o destino dos livros — da própria leitura? (Borges, faz dez anos!) Tudo o que quero dizer é que sentimos sua falta. Eu sinto sua falta. Você continua a ser importante. A era em que estamos entrando agora, este século XXI, porá a alma à prova de maneiras novas. Mas, esteja certo, alguns de nós não abandonaremos a Grande Biblioteca. E você continuará a ser o nosso patrono e o nosso herói.

Susan"

Susan Sontag, "Uma carta para Borges, in Questão de ênfase, trad. Rubens Figueiredo, São Paulo, Companhia das Letras, 2005, p. 151.

"Palavras cruzadas”

5. "Palavras cruzadas” (“A arte de ouvir – e pedir mais”), Revista Lilica and Tigor, São Paulo, jun. 2011 (data aproximada).

Sim, das coisas mais divertidas quando saio um bocadinho aqui da minha vida lisboeta e dou um pulo no Rio de Janeiro é entrar num táxi com a Alice e a Clara, as minhas duas miúdas, de 9 e 4 anos, e deixá-las falar; é entrar num elevador cheio e deixá-las falar; numa fila longa, e deixá-las falar. É deixá-las falar.

A Alice, que veio para Portugal com dois anos, é já uma portuguesinha, e a Clara, que nasceu cá, mais ainda. A entonação e o vocabulário portugueses só não ficam encantadores quando temos à frente um português careca, bigodudo e barrigudo, com o conhecido e insubstituível lápis-atrás-da-orelha, e a cheirar a peixe, a jornal, carne de porco e bacalhau, e a dizer “pá!” a cada três frases, “pois” para cada pergunta e “se calhar” a cada minuto. Quando temos duas menininhas tão-lindas-que-chega-até-a-dar-nervoso-de-tão-lindas, a vontade é de ouvir quieto, sorrir e pedir mais. (Esta apreciação estética acerca das minhas filhas é isenta, posso garantir-vos.)

As meninas e eu entramos no táxi. Sem querer bati com a porta no braço da Alice, e ela: “Ó, papá, magoaste-me!”. Eu disse: “Hã?”, e ela: “Com a porta. Magoaste-me com a porta do carro!”. A Clarinha, para ela: “A culpa é tua! Foste parva!”. “Não se dizem nomes às pessoas”, rebate a Alice. “É feio!” “Portem-se bem!”, digo às duas. O motorista, diante daquela discussão, arqueia as sobrancelhas, tem vontade de rir mas ouve quieto, e depois apenas sorri. E pede mais.

Entramos num elevador cheio de gente séria e muda. A Clarinha, olhando para cima, pergunta-me: “Papá, estou a portar-me bem? Vou ganhar um rebuçado hoje, como prometeste?”. E todos no elevador se mexem e sorriem. E eu, para puxar mais falas: “Disseste o quê, filha? Não percebi”. E a Alice para mim: “Não percebeste?”, e em seguida para a irmã, sob o total silêncio sorridente do grupo à volta: “Deixa estar, mana. O papá hoje está mesmo despistado! Estás a portar-te muito bem, e vais ganhar o teu rebuçado, sim. O papá não falta com a palavra”. Muitos sorriem, e alguns pedem mais.

“Papá, esta bicha não anda!”, diz-me a Alice, passados cinco minutos na fila da pipoca para o cinema. Os pais e as crianças à frente viram-se e nos deitam olhos curiosos. A Clarinha aproveita: “Papá, os miúdos aqui no Brasil não têm rabinho, pois não?”. As crianças atrás de nós viram-se, riem e apontam. “Não, filha. Eles têm bundinha, ou bum-bum.” “Pois eu prefiro ter rabinho do que bundinha”, diz ela, muito séria. Risadas por todo lado, e a Clarinha, que não gosta que riam dela, revida: “Tem piada…”. “O que é que tem piada, filha?” “Como os miúdos aqui no Brasil falam papá e mamã.” “Como é que falam?”, pergunto às duas. E elas dizem, com uma entonação brasileira, alto o suficiente para serem ouvidas e olhando para as crianças à volta com ares desafiantes: “Paiê! Manhê!”, e desatam a rir. Mais risadas por todo lado. E a Alice, para todos, num ímpeto de desinibição: “O que é que se passa convosco?”. Diante daquele convosco dito por uma miúda de nove anos, os adultos ao nosso redor puxam conversa, sempre sorrindo, e pedem mais. E nós? Nós damos mais.

31 de maio de 2011

Da impressionância da precisão

“Já que usei a expressão “antiga como o tempo” [as old as time], devo citar outro verso (…). (…) Achei-o citado por Kipling num livro seu não muito memorável, chamado From sea to sea: “A rose-red city, half as old as Time” [Uma cidade rubro-rósea, com a metade da idade do tempo]. Tivesse o poeta escrito “A rose-red city, as old as Time”, não teria escrito absolutamente nada. Mas “half as old as Time” empresta uma espécie de precisão mágica — a mesma espécie de precisão mágica obtida por aquela estranha e corriqueira expressão inglesa “I will love you forever and a day”. “Para sempre” significa “por um tempo muito longo”, mas é abstrato demais para empolgar a imaginação.

Temos a mesma espécie de truque (…) no título daquele livro famoso, as Mil e uma noites. Pois “as mil noites” significam para a imaginação “as muitas noites”, tal como “quarenta” costumava significar “muitos” no século XVII. “When forty winters shall besiege thy brow” [Quando quarenta invernos assediaram teu semblante], escreve Shakespeare; e penso na trivial expressão inglesa “forty winks” exprimindo “uma soneca”. Pois “quarenta” significa “muitos”. E temos aqui as “mil e uma noites” — tal como “a rose-red city” e a fabulosa precisão de “half as old as Time”, que fazem o tempo, é claro, parecer ainda mais longo.”

Jorge Luis Borges, “A metáfora”, in Esse ofício do verso, org. Calin-Andrei Mihailescu, trad. José Marcos Macedo, São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 44-45.

24 de maio de 2011

"Para acabar de vez com a leitura - Já não preciso de ler uma biblioteca para escrever um livro?"

"Outras Quartas"
25 de Maio de 2011, Chapitô, Lisboa.
"Para acabar de vez com a leitura - Já não preciso de ler uma biblioteca para escrever um livro?".

Mediadora: Rosa Azevedo.
Com: Afonso Cruz, Juva Batella, Sara Figueiredo Costa, entre outros.

"E, no dia seguinte, nenhum editor de nenhuma editora de nenhum lugar do mundo recebeu um original, nenhum jornalista de nenhum jornal escreveu uma linha, nenhum blogue recebeu um único post ou um único comentário. No dia seguinte, nada, em lugar algum do mundo, foi publicado. Nenhuma letra foi levada ao espaço público. Havia começado a greve geral dos escritores e escrevinhadores ou qualquer nome que se lhes dê - a grande greve geral da escrita."

“A escrita constitui um arquipélago na imensidade oceânica da oralidade humana” (George Steiner).

22 de maio de 2011

A língua do Pai Nosso

Inglês contemporâneo: Our father, who is in heaven, may your name be kept holy. May your kingdom come into being. May your will be followed on earth, just as it is in heaven. Give us this day our food for the day. And forgive us our offenses, just as we forgive those who have offended us. And do not bring us to the test. But free us from evil. For the kingdom, the power, and the glory are yours forever. Amen.

Inglês modern (c. 1600):  Our father, which are in heaven, hallowed be thy Name. Thy kingdom come. Thy will be done, on earth, as it is in heaven. Give us this day our daily bread. And forgive us our trespasses, as we forgive those who trespass against us. And lead us not into temptation, but deliver us from evil. For thine is the kingdom, and the power, and the glory, for ever, amen.

Inglês médio (c. 1400): Oure fadir que art in heuenes, halowid be thi name, thi kyngdom come to, be thi wille don in erthe es in heuene, yeue to us this day oure bread ouir other substance, & foryeue to us oure dettis, as we forgeuen to oure dettouris, & lede us not in to temptacion: but delyuer us from yuel, amen.

Inglês antigo (c. 1000): Faeder ure thu the eart on heofonum, si thin nama gehalgod. Tobecume thin rice. Gewurthe in willa on eortban swa swa on heofonum. Urne gedaeghwamlican hlaf syle us to daeg. E forgyf us ure gyltas, swa swa we forgyfath urum gyltedum. And ne gelaed thu us on contnungen, ac alys us of yfele. Sothlice.

Steven Pinker, "A Torre de Babel", in O instinto da linguagem, São Paulo, Martins Fontes, 2002,  p. 316.

21 de maio de 2011

Eu línguo, tu línguas, ele língua

Língua:

Devemos ser gratos ao portugueses. Se não fossem eles estaríamos até hoje falando tupi-guarani, uma língua que não entendemos.

O ‘Pois sim’ e o ‘Pois não’ deveriam ser estudados em profundidade pelos nossos políticos devido à louvável peculiaridade de significarem exatamente o contrário do que dizem. Ou não.

O homem é o único animal que possui o génio da palavra. Quanto a nós, brasileiros, também nisso perdemos o bonde. Não falamos nem a língua de Dante, nem a de Goethe, nem a de Shakespeare. E cada vez falamos pior a de Camões.

Quando os eruditos descobriram a língua, ela já estava completamente pronta pelo povo. Os eruditos tiveram apenas de proibir o povo de falar errado.

Só existe uma língua, a falada.

Estão usando a língua como sempre. Mas cada vez usam menos o idioma.

Eu falo italiano melhor do que escrevo inglês. Leio francês melhor do que entendo alemão. Traduzo espanhol melhor do que falo inglês. Escrevo português melhor do que leio italiano. O que, tudo junto, dá a medida de minha ignorância.

Que língua, a nossa! A palavra oxítona é proparoxítona.

O que os olhos não vêem a língua inventa.”

Millôr Fernandes, “Língua”, in Millôr Definitivo: a Bíblia do Caos, São Paulo, LPM, 1994, p. 284-285.

20 de maio de 2011

Toca a descer, pá!

“Os deuses tinham condenado Sísifo a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume de uma montanha, de onde a pedra caía de novo, em consequência do seu peso. Tinham pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

(...) As opiniões diferem sobre os motivos que lhe valeram ser o trabalhador inútil dos infernos. Censura-se-lhe, de início, certa leviandade para com os deuses. Revelou os segredos deles. Engina, filha de Asopo, foi raptada por Júpiter. O pai espantou-se com esse desaparecimento e queixou-se dele a Sísifo. Este, que estava ao corrente do rapto, propôs a Asopo contar-lhe o que sabia, com a condição de ele dar água à cidadela de Corinto. Aos raios celestes, preferiu a bênção da água. Por tal foi castigado nos infernos. Homero conta-nos (...) que Sísifo havia acorrentado a Morte. Plutão não pôde suportar o espectáculo de seu império deserto e silencioso. Enviou o deus da guerra, que soltou a morte das mãos do seu vencedor.

Diz-se ainda que, estando Sísifo quase a morrer, quis, imprudentemente, pôs à prova o amor de sua mulher. Ordenou-lhe que lançasse o seu corpo, sem sepultura, para o meio da praça pública. Sísifo encontrou-se nos infernos. E aí, irritado com uma desobediência tão contrária ao amor humano, obteve de Plutão licença para voltar à terra e castigar a mulher. Mas, quando viu de novo o rosto deste mundo, sentiu inebriadamente a água e o sol, as pedras quentes e o mar, não quis regressar à sombra infernal. Os chamamentos, as cóleras e os avisos de nada serviram. Ainda viveu muitos anos diante da curva do golfo, do mar resplandecente e dos sorrisos da terra. Foi necessário uma ordem dos deuses. Mercúrio veio pegar no audacioso pela gola e, roubando-os às alegrias, levou-o à força para os infernos, onde o seu rochedo já estava pronto.

Já todos compreenderam que Sísifo é o herói absurdo. (...) O seu desprezo pelos deuses, o seu ódio à morte e a sua paixão pela vida valeram-lhe esse suplício indizível em que o seu ser se emprega em nada terminar. (...) Não nos dizem nada sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste, vê-se simplesmente todo o esforço de um corpo tenso, que se esforça por erguer a enorme pedra, rolá-la e ajudá-la a levar a cabo uma subida cem rezes recomeçada; vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de um ombro que recebe o choque dessa massa coberta de barro, de um pé que a escora, os braços que de novo empurram, a segurança bem humana de duas mãos cheias de terra. No termo desse longo esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, a finalidade está atingida. Sísifo vê então a pedra resvalar em poucos instantes para esse mundo inferior de onde será preciso trazê-la de novo para os cimos. E desce outra vez à planície.

É durante este regresso, esta pausa, que Sísifo me interessa. (...) Essa hora que é como uma respiração e que regressa com tanta certeza como a sua desgraça, essa hora é a da consciência. (...)

Se este mito é trágico, é porque o seu herói é consciente. Onde estaria, com efeito, a sua tortura se a cada passo a esperança de conseguir o ajudasse? Sísifo, proletários dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão da sua miserável condição: é nela que ele pensa durante a sua descida.”

Albert Camus, O mito de Sísifo, trad. Urbano Tavares Rodrigues e Ana de Freitas, Lisboa, Livros do Brasil-Lisboa, s/d, p. 147-149.

19 de maio de 2011

O ganho da perda — ou a teoria do assassino a lavar a loiça

“Marcel Mauss narra um costume dos habitantes da Oceania que pode, num certo sentido, ser considerado o gérmen de uma nova moral: o assassino deve morar na casa da vítima e substituir o morto.

Bertolt Brecht conta a história de um estudante de filosofia (discípulo excelente de Simmel) que, por responsabilidade familiar, se transforma num bem sucedido homem de negócios. Na velhice, dedica-se por fim a escrever um tratado de moral, mas quando o termina esquece-o num trem. Recomeça o trabalho e incorpora o acaso como o fundamento de seu sistema ético. Fazer da perda o princípio de reestruturação de todo o sistema é (segundo Brecht) uma lição metodológica que só se pode aprender no mundo dos negócios.”

Ricardo Piglia, “A citação privada”, in O laboratório do escritor, trad. Josely Vianna Baptista, São Paulo, Iluminuras, 1994, p. 61.