“Se o discurso cultural brasileiro comporta
uma espécie de esquizofrenia latente devida à preocupação, afinal absurda, de
procurar uma identidade imaginária numa indianidade a posteriori, forma de recalcar o acto fundador português, o
discurso português sobre o Brasil é pura e simplesmente retórico e onírico.
Esse discurso sem qualquer conteúdo real está, há muito tempo, ritualizado em
formas convencionais. Para nós, portugueses, o Brasil é o país irmão,
designação que nos envaidece, naturalmente, mas que, no fundo, tem por objectivo esconder a relação de
origem que os brasileiros não estão interessados em evocar. O discurso
português sobre o Brasil, tal como o transmite uma longa tradição retórica e
historiográfica, incessantemente reescrita, é produto de uma pura alucinação da
nossa parte, alucinação que os brasileiros — há pelos menos um século — não
ouvem nem compreendem.”
Eduardo Lourenço, “Uma língua, dois
discursos”, in A nau de Ícaro e Imagem e miragem da lusofonia, São Paulo,
Companhia das Letras, 2001, p. 149.
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