15. “Como fazer para não pensar”, Revista Lilica and Tigor, São Paulo, set. 2014 (data aproximada).
Os filhos e as filhas de
nossos namorados e namoradas são como se fossem nossos, e não são; e também não
são, mas é como se fossem. E nunca que daremos jeito nesse vai-e-vem pedagógico:
tentamos fazer com que aprendam conosco mas eles não aprendem, e acabamos, aos
trancos e barrancos, aprendendo nós. Aprendendo o quê? Ah, muitas coisas. Uma
delas é não tentar fazer com que eles aprendam o que quer que seja conosco.
Nunca imaginei que o pacote
seria do tamanho que é. Comecei a namorar, e éramos apenas nós dois, mas o
namoro foi melhorando, e a intimidade, crescendo, e Nossa Senhora do Quotidiano
fez o dia-a-dia mudar (essa senhora, se não é santa, deveria ser, de tão
poderosa que é...). Os filhos dela começaram a gostar de mim, e eu deles, e eles
a se sentir à vontade perto de mim, e eu deles. E as minhas duas miúdas
portuguesas também, mas estas moram em Lisboa, e minha namorada, em relação às duas,
não é testada pela tal Nossa Senhora do Quotidiano. Eu sou. E vou aprendendo. O
quê? Ah, muitas coisas...
Com a minha enteadazinha,
vamos chamá-la assim, aprendo mais filosofia do que quando tentava aprender
sentado e de lápis à mão. Com ela aprendo aos trancos e barrancos o que podemos
denominar de corrente pragmático-esportista. Seu objetivo? Ser feliz. Seu
método? A correta utilização do zero: zero
problema e pensamento zero.
No meio de um jantar ela anuncia,
meio que gritando: “Estou tão feliz! Atualmente eu tenho zero problema!”. Diante da pergunta da mãe, minha namorada, interessadíssima
no tema do zero problema e
confrontada em seu dia-a-dia (valei-nos, Nossa Senhora do Quotidiano!) com
tantos deles, a pequena diz, na lata (é assim que se expressam os filósofos
pragmático-esportistas): “Como é que a gente faz pra ter zero problema? É só resolver todos. Resolve um, depois outro,
depois outro, e assim vai...”. E comenta minha namorada, tentando entender (e
eu, já de lápis à mão, pra ver se aprendo): “Mas meus problemas nunca acabam...”.
E nossa filósofa, com a impaciência típica dos pragmático-esportistas que estão
há mais de cinco minutos sentados: “É que nem jogo de futebol, mãe! Não pode
sair todo mundo da defesa de uma vez; nem atacar com todos os jogadores de uma
vez. Ah! E não pode perder a bola!”. E disse a mãe da menina: “Mas eu sempre
perco a bola...”.
Diante de nosso desânimo a
garotinha se levanta da mesa, pega sua bola e diz: “Vocês não pegaram... Vou
dar um exemplo: quando jogo futebol, não penso. Por quê? Porque fico muito
concentrada e não ligo pra mais nada”. Esse assunto me interessa, pensei. É o
aprofundamento do conceito do pensamento
zero. E pedi a ela que continuasse. E ela, já impaciente com a minha
lentidão: “Quando fico concentrada, fazendo coisas de agilidade, meu corpo toma
o controle de tudo. Não ligo pra mais nada”. E eu, anotando furiosamente cada palavra,
pedi a ela que seguisse adiante, desenvolvesse... E ela seguiu: “Quando você
não ‘tá fazendo nada, você pensa o tempo todo. E até pensa que ‘tá pensando!
Você não consegue não pensar. E não pensar é muito bom!”. E eu lhe disse:
“Valeu! Preciso pensar mais sobre isso”. E ela, com pena de mim, me olhou
longamente: “Juva, você não entendeu nada...”.
E foi jogar bola.