17 de junho de 2015

"Rio em Prosa"

"Rio em Prosa"
17 de junho de 2015, Colégio Pedro II, Rio de Janeiro.

Debate com a comunidade do Colégio Pedro II sobre o texto literário em sua relação com a cidade do Rio.


5 de junho de 2015

1 de novembro de 2014

“Gato vai, gato vem”

16. “Gato vai, gato vem”, Revista Lilica and Tigor, São Paulo, nov. 2014 (data aproximada).

— Mas eu nunca tive um gato!

Não deu nem tempo de resmungar; a minha amiga portuguesa já me entregava um bichinho que ela jurava ser um gato, mas que para mim era um rato: não possuía pelos e quase cabia na minha mão de tão pequenino. Um gato... Eu já tive na vida uma galinha (a Chimbica), uma tartaruga (a Mafalda) e uma cadela (a Pinga), mas um gato, não.

— E o nome dele é Jeremias! — anunciou a gaja, virando as costas e dando no pé.

Esta foi a pior parte do nosso encontro, porque a perspectiva que mais me atraía em toda essa história de ter um gato era dar ao bicho um nome, porque eu adoro dar nomes às coisas, digo, aos bichos. E jamais batizaria de “Jeremias” um gato pra chamar de meu. Na primeira oportunidade, renomeio o gato, pensei, animado. Será “Ulisses”! Ulisses, o guerreiro! Ulisses, o navegador! Quem sabe até Ulisses, parceiro de uma futura gatinha chamada Penélope! Show! Comecei a gostar... Mas em menos de duas horas já estava a minha pequena Clara no chão, a conversar com o Jeremias. O papo era linguístico:

— Tu mias, Jeremias?

— Miau...

— Tu mias, Jeremias?

— Miau, miau...

— Pai, já viste isto? O Jeremias percebe tudo! E isto tem a ver com o nome dele! Tão querido...

Apenas eu em Lisboa passei a chamar o Jeremias de Ulisses, e em pouco tempo o “guerreiro” destruiu meu sofá, derrubou e quebrou meus porta-retratos, arranhou as lombadas dos meus livros, comeu minhas plantas e espatifou minha escultura do Fernando Pessoa. Quando minha namorada brasileira veio me visitar e recebeu um olhar terno e um ronrom, apaixonou-se pela criatura, já então robusta e peluda. Prometi-lhe que na minha próxima viagem ao Rio de Janeiro levaria o bichano na mala de mão. Vacinei-o, tirei um passaporte para o terrorista disfarçado de “grande navegador”, metemo-nos num avião nós dois, cruzamos o Atlântico, e pronto: o presente foi entregue. Ulisses ficou radiante porque caiu numa casa com mais dois gatos, e eu bem sei que gato não gosta de morar sozinho, mas com outros gatos, todos se limpando e caçando juntos. Com a sensação de que fiz a coisa certa, voltei para Lisboa feliz, para uma casa sem gato, mas com plantas, livros e pequenos objetos sobre as prateleiras. Um paraíso de estabilidade...

Mal sabia eu que, um ano depois, eu iria acabar deixando Lisboa... Uma vez no Rio, quando vou jantar na casa da namorada, ou ver lá um filme, ou tomar um vinho; toda vez, enfim, que toco a campainha, quem é que aparece se esfregando nas minhas canelas e mal se contendo de felicidade gatífera?

Eu não deveria ter mexido no nome dele...


— Tu mias, Jeremias?

1 de setembro de 2014

“Como fazer para não pensar”

15. “Como fazer para não pensar”, Revista Lilica and Tigor, São Paulo, set. 2014 (data aproximada).

Os filhos e as filhas de nossos namorados e namoradas são como se fossem nossos, e não são; e também não são, mas é como se fossem. E nunca que daremos jeito nesse vai-e-vem pedagógico: tentamos fazer com que aprendam conosco mas eles não aprendem, e acabamos, aos trancos e barrancos, aprendendo nós. Aprendendo o quê? Ah, muitas coisas. Uma delas é não tentar fazer com que eles aprendam o que quer que seja conosco.

Nunca imaginei que o pacote seria do tamanho que é. Comecei a namorar, e éramos apenas nós dois, mas o namoro foi melhorando, e a intimidade, crescendo, e Nossa Senhora do Quotidiano fez o dia-a-dia mudar (essa senhora, se não é santa, deveria ser, de tão poderosa que é...). Os filhos dela começaram a gostar de mim, e eu deles, e eles a se sentir à vontade perto de mim, e eu deles. E as minhas duas miúdas portuguesas também, mas estas moram em Lisboa, e minha namorada, em relação às duas, não é testada pela tal Nossa Senhora do Quotidiano. Eu sou. E vou aprendendo. O quê? Ah, muitas coisas...

Com a minha enteadazinha, vamos chamá-la assim, aprendo mais filosofia do que quando tentava aprender sentado e de lápis à mão. Com ela aprendo aos trancos e barrancos o que podemos denominar de corrente pragmático-esportista. Seu objetivo? Ser feliz. Seu método? A correta utilização do zero: zero problema e pensamento zero.

No meio de um jantar ela anuncia, meio que gritando: “Estou tão feliz! Atualmente eu tenho zero problema!”. Diante da pergunta da mãe, minha namorada, interessadíssima no tema do zero problema e confrontada em seu dia-a-dia (valei-nos, Nossa Senhora do Quotidiano!) com tantos deles, a pequena diz, na lata (é assim que se expressam os filósofos pragmático-esportistas): “Como é que a gente faz pra ter zero problema? É só resolver todos. Resolve um, depois outro, depois outro, e assim vai...”. E comenta minha namorada, tentando entender (e eu, já de lápis à mão, pra ver se aprendo): “Mas meus problemas nunca acabam...”. E nossa filósofa, com a impaciência típica dos pragmático-esportistas que estão há mais de cinco minutos sentados: “É que nem jogo de futebol, mãe! Não pode sair todo mundo da defesa de uma vez; nem atacar com todos os jogadores de uma vez. Ah! E não pode perder a bola!”. E disse a mãe da menina: “Mas eu sempre perco a bola...”.

Diante de nosso desânimo a garotinha se levanta da mesa, pega sua bola e diz: “Vocês não pegaram... Vou dar um exemplo: quando jogo futebol, não penso. Por quê? Porque fico muito concentrada e não ligo pra mais nada”. Esse assunto me interessa, pensei. É o aprofundamento do conceito do pensamento zero. E pedi a ela que continuasse. E ela, já impaciente com a minha lentidão: “Quando fico concentrada, fazendo coisas de agilidade, meu corpo toma o controle de tudo. Não ligo pra mais nada”. E eu, anotando furiosamente cada palavra, pedi a ela que seguisse adiante, desenvolvesse... E ela seguiu: “Quando você não ‘tá fazendo nada, você pensa o tempo todo. E até pensa que ‘tá pensando! Você não consegue não pensar. E não pensar é muito bom!”. E eu lhe disse: “Valeu! Preciso pensar mais sobre isso”. E ela, com pena de mim, me olhou longamente: “Juva, você não entendeu nada...”.


E foi jogar bola.