1 de março de 2013

“A dona Saudade, a srta. Rima e o dr. Iscáipe”

11. “A dona Saudade, a srta. Rima e o dr. Iscáipe”, Revista Lilica and Tigor, São Paulo, mar. 2013 (data aproximada).

Sim, a Dona Saudades não brinca em serviço, e vez por outra aparece de surpresa, e geralmente de modo súbito, pungente e esquisito. Posso estar a tomar banho, depois de uma chuvada de tempestade nas ruas do Rio, e quando dou por mim já sinto, em meio à água da ducha gelada, um certo gosto de água salgada, e já estou eu a pensar na Alice e na Clarinha lá longe, em Lisboa, no frio, numa quase geada, e encerro de uma vez a chuveirada. Agora a chorar em pleno banho, pá?

Posso estar a me arrastar com um carro no meio dum engarrafamento, a ouvir Caetano, Gil, ou apenas um jazz em baixo andamento, e de repente tudo fica embaçado e cheio de gotas, e eu penso, num lamento: “Mas está lá fora um sol de rachar...”. E quando dou por mim são os óculos de sol embaçados e engotejados, e eu a fungar... Agora a chorar no trânsito, pá?

Posso estar a beber uns copos pelo Rio de Janeiro, posso estar a nadar, lépido e fagueiro, a tomar um sorvete, a chupar uma manga ou a subir num coqueiro, a comer sushi ou feijão tropeiro, que olho para o lado e lá vejo a dona Saudade, olhando pra mim (ela está ainda mais gorda?...), um arzinho zombeteiro... e choro, simplesmente choro, um choro discreto, é claro, mas longo e verdadeiro. Agora a chorar por tudo, pá?

Mas deixemos as salgadas águas da srta. Rima de lado, porque a realidade é desmedida, desafinada e seu ritmo, amalucado. E conto aqui uma façanha da mãe, em sociedade com o dr. Iscáipe. Dia 19 de março é Dia dos Pais em Portugal, e nesse dia 19 último houve então a festa dos pais na escola da Clarinha. Estão a perceber toda a cena, pois não?... “A nossa Clarinha está muito, muito triste. Chorou imenso ontem à noite porque se deu conta de que tu não estarás presente na festa de depois de amanhã. Todos os demais pais lá estarão, a realizar uma atividade em conjunto com os miúdos, menos tu... Pena, né? A nossa pequena piolha está desconsolada...” Nem consegui continuar a conversa. Dormi em sono leve e fiquei todo o dia 18 a flutuar na tristeza, sem pensar numa solução de peso. E na noite anterior ao evento lá vem a mãe ao telefone com uma feliz ideia cochichada para mim: “Amanhã acordas às seis da manhã no horário aí do Rio, põe-te na frente do Skype, e eu, com o iPad e lá na salinha de aulas da escola, que tem wi-fi, exatamente às nove no horário daqui, faço-te virtualmente presente na festa! Só não poderás comer os pastéis de nata...”. Nem acreditei, e à noite, ao dr. Iscáipe brindei, e com Nossa Senhora do Uái-Fái sonhei...

Dormi pontualmente e acordei no ponto, ou mais para o bem passado: asseado, cheiroso, barbeado e dente escovado. E me plantei à frente da tela do computador, microfone testado, áudio em bom som, vídeo ativado. E esperei pela chamada lisboeta. E qual não foi o contentamento da minha portuguesinha, olhos de repente arregalados, mão na boca a conter um berrinho... Olha a saltar pela sala uma genuína alfacinha! “O papá está no Iscáipe! Prof”ssora! Olha o meu pai no écran do Aipédi da mãe! O papá veio à minha festa! Isto é muito giro, mamã!” E amontoaram-se as coleguinhas de seis anos para ver o pai da Clarinha, lá do Brasil, e bem aqui, no Aipédi da mãe. “Mas, um momento... Olha o écran. Ele está com uma carinha...”

Mas agora choras pelo wi-fi, pá?

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