7. “Dormir é preciso”
(“Ensinar a dormir é preciso”), Revista Lilica and Tigor,
São Paulo, jan. 2012 (data aproximada).
Lembro-me
como se fosse hoje da noite em que, voltando de uma festa, quando ainda
morávamos no Rio, encontramos eu e a minha então mulher o nosso vizinho, às
quatro da manhã, a passear na pracinha ali do Leblon com o seu carrinho de
bebê. Olhei para ela: “Estranho um sujeito passear com o bebê a esta hora…”. E,
ainda embalados com as caipirinhas que tomamos e as música que dançamos, rimos
a risada que riem os casais sem filhos.
Passados os
anos, e já nascida a Pipoca (também chamada de Alice), entendemos o que é que
significa um bebê acordar no meio da noite e não voltar a dormir — um bebê com
mais de dez meses, entenda-se, que é a idade em que as crianças se dão conta de
que dormir significa ficar longe dos pais. E sentimos isto na pele. A Pipoca
adormecia com um de nós dois no quarto. E, se acordava no meio da noite e não
via aquele com quem ela pegou no sono, chorava. “Onde está o papai, se estava
aqui na hora em que fui dormir?” E lá ia o papai voltar a adormecer a criatura.
Se acordasse novamente, novamente ia o papai adormecer a criatura. Quando a
criatura em questão se acostumava a pegar no sono no carrinho, por exemplo (o
caso do vizinho do Leblon), o sujeito tinha de voltar a adormecê-la no carinho.
E eu sei de histórias de crianças que só pegam no sono embaladas pelo motor do carro,
e no meio da madrugada lá ia o pai a passear de carro com a criatura…
Adormecido o ser, carregava-o o pai para casa e para o berço.
Até que,
fatigados, adquirimos o livro Nana, neném
(ed. Martins Fontes). A tese é simples: do mesmo modo como ensinamos os nossos
bebês a grunhir, a cair e a comer, devemos, também, ensinar os miúdos a dormir;
ensinar os miúdos a conciliar o sono sozinhos, sem a nossa presença debruçada
sobre o berço, a fazer “Nãna, nãna, nãna…”, enquanto passamos os dedinhos sobre
a testa. Fazemos isso, em geral, durante vinte, quarenta minutos, até que as
criaturinhas apaguem, e só depois que apagam é que saímos do quarto, mal
disfarçando um sorriso e a alegria que experimentamos diante da possibilidade
real de algumas horas de sossego total. “A criatura pegou no sono afinal?”,
pergunta a mulher. “A criatura pegou no sono afinal!”, anuncia o homem, que
avança, cheio de pensamentos, para a mulher, que finge que foge.
Aplicado o
método, que foi sofrido e quase tortuoso — uma semana a aplicar uma tabela
crescente de minutos, ao fim dos quais entrávamos no quarto para lhe dizer que
estávamos ali, que a amávamos, mas que ela deveria dormir sozinha, e ela a suar
e a chorar, desesperada, os olhos brilhando, a boiar em lágrimas; uma semana de
choros e ranger de dentes (de leite) contrapostos à convicção de que aquilo era
para o bem dela e de todos —, ensinamos, enfim, a Pipoca a conciliar o sono sem
papai e mamãe no quarto.
As vantagens do
método são óbvias: a última situação que a criança vive antes de pegar no sono
envolve apenas o berço, onde ela está sozinha, uma chupeta e o seu ursinho
amarelo (pode ser vermelho). Se ela acorda ao longo da noite (e as crianças acordam
muitas vezes ao longo da noite; acordam e voltam a dormir segundos depois), a
situação que encontra é a mesma que deixou ao cair no sono: a solidão do berço,
a chupeta e o ursinho amarelo (pode ser cor-de-laranja). As crianças que caem
no sono com os pais debruçados sobre o berço, quando acordam e não vêem os pais,
protestam, porque querem a reprodução do mesmo contexto, e aí: Nossa Senhora
das Noites Mal Dormidas, Nossa Senhora do Mau Humor, Nossa Senhora dos Dias Mal
Vividos.
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