8. “Rir de si mesmo”, Revista Lilica and
Tigor, São Paulo, jun. 2012 (data aproximada).
Observando
bem, nestas últimas semanas, as minhas duas miúdas, a Alice e a Clara, vi o
quanto elas são fortes e o quanto eu tenho mesmo é de aprender com elas. Digo
isto porque na idade em que elas estão, 9 e 5 anos, eu não era assim tão
confiante acerca de mim mesmo, e sofri, e sofri, e não foi pouco. E chorei
muito, e fiquei, como se diz aqui, amuado. Com 5 anos, e também com 6, 7, 8, 9,
10, e provavelmente até aos 15 ou 16 anos, eu era inseguro e insatisfeito. Nasci
com artrite reumatóide infantil, usava óculos, era magrelo e meio tortinho, e
me sentia mal — sentia-me mal, antes de tudo, não pela artrite ou pelos óculos,
embora isto não ajudasse, mas me sentia mal porque me chamava Juvenal, e a rima,
aqui, embora tenha sido involuntária, não foi inocente.
Mudei de escola
muitas vezes, e sempre que aparecia na nova sala de aula, com os novos
amiguinhos e as novas amiguinhas, tornava-me motivo de chacota, e das mais
violentas, por me chamar Juvenal. Eu ficava, na lista de chamada, logo a seguir
ao Júlio, e a seguir ao Júlio a professora dizia “Juvenal”, e todos olhavam
para trás, onde eu me sentava, e riam, riam a valer, e eu abaixava a cabeça e
esperara, já com os olhos cheios de água, o soar da última gargalhada.
“Juvenal: é esquisito mas não faz mal!”; “Juvenal, cara de boçal!”; “Juvenal,
animal, banal e débil mental!”. Isto sem falar nas rimas impublicáveis… E por
muito tempo, na escola, eu já com uns 14 ou 15 anos, cantaram uma música
daquela banda de rock, “Chicago”, que
dizia “Hold me now, it’s hard to me to
say I´m sorry…”, mudando a letra para “Juvenal, it’s hard to me to say I’m sorry…”. E
riam, e riam de mim. Mais tarde, muito mais tarde do que era necessário, eu me
transformei no “Juva”, e as coisas melhoraram um pouco. Bastante.
Nestas últimas
semanas a Alice e a Clara viveram situações parecidas, não com os nomes, que são
tão belos, mas com o aparelho fixo que a mais velha teve de colocar nos dentes
da frente — e que a deixou com uma carinha engraçada e bastante vulnerável a
todas as chacotas possíveis — e com os óculos (com umas lentes de 4 graus por
causa de uma hipermetropia) que a mais nova tem de passar a usar o tempo todo.
Mal chegaram à
escola e já riram delas. Riram da Alice, quando ela abriu a boca para dar “Bom
dia!”, e riram muito da Clarinha quando ela entrou na sala com os seus óculos
tão lindos, mas tão grandes e com as lentes tão grossas... E elas? A Alice
respirou fundo e riu também, de si mesma, e fez alguma piada em cima daqueles
que riram dela, ensaiando em seguida uma careta com os dentes, e a Clarinha,
olhando bem para os amigos que riam dela, declarou, em voz bem alta: “Fui eu que
escolhi, e estes meus óculos são lindos, são giros, são azuis, foram bastante caros,
e eu estou muito engraçada com eles!”, e, esquecendo o assunto, e o trauma que
não se concretizou, foi correr e brincar, mandando, de longe, um beijo
apaixonado para o pai dela, um tal de Juvenal, que ali estava, a observar tudo,
ensimesmado, a pensar em si mesmo e em quanto tempo e em quanta energia perdeu a
sofrer por causa do que os outros estavam a pensar dele e do seu nome.
Sim, temos
muito a aprender com os miúdos, e o mais importante talvez seja apender como se
aprende, e só se aprende a aprender sabendo-se olhar com olhos de se ver. Só se
aprende a aprender colocando-se no lugar do outro. E, principalmente, só se
aprende a aprender quando se aprende a saber rir de si mesmo, e antes que os
outros riam… Obrigado, meninas.
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