“Conversa”, JL — Jornal de Letras,
Artes e Ideias, Lisboa, 7 Mar. a 20 Abr. 2012, p. 14-15.
32 declarações de amor à Língua
Portuguesa, por escritores e criadores dos diferentes países lusófonos.
"Conversa"
— Preciso escrever para ti uma declaração de amor.
— Não há coisa mais fácil… Diz que sou bela.
— Isto todos já disseram; já não tem piada…
— Diz então que sou flor inculta e que venho do Lácio.
— O Olavo já disse.
— Esplendor e sepultura, lira singela, desconhecida e obscura…
— Ele mesmo, idem, ibidem.
— O que dizer? Diz que não sou mais do que as outras, mas que sou tua...
— Isto o Vasco já disse.
— Que graça… Diz o que faço: formo frases instáveis e…
— O Gastão disse isto.
— Cruz! Tudo já foi dito?
— Acho que sim...
— Então tudo está por dizer no que já foi dito…
— Isto já disse o António.
— O Ramos Rosa?
— Em pessoa.
— Já agora… e o Fernando, o que disse?
— Escreveu que tu és pátria.
— E tu?
— Eu não tenho pátria; tenho mátria e quero frátria.
— Então diz isto!
— Não posso; o Caetano já disse…
— Adoro nomes… Então diz assim: “Amo-te”.
— Os portuguesem dizem assim.
— E que tal: “Te amo”?
— Os brasileiros dizem assim.
— Diz então que nasces com as minhas palavras dentro da tua barriga, e que, quando todas as minhas palavras acabam, tu morres, e…
— Isto quem disse…
— … e que é por causa disso que os mortos não falam…
— Isto é bonito, mas, como eu ia dizendo, isto quem disse foi o povo Dogon, lá da África. É uma crença…
— Meu caro Juva, não sei bem o que vais dizer na tua declaração de amor a mim… Não podes dizer que sou obscura, que sou flor, tuba de alto clangor e lira singela… Também não podes dizer que sem mim não serias o que és, porque o que és é mais do que aquilo que falas e escreves…
— Pois…
—
Eu sei que queres dizer que me entendes inteira, que me dominas e que graças a
mim fazes com que os outros te percebam e te admirem. Sei que queres dizer que
sou a vertiginosa lista de todas as palavras, todas as combinações de palavras
e todos os sons das bocas de meio mundo. Não sou. Sou mais.
— Muito mais… devagar. Estou a tomar notas...
— Talvez queiras acreditar que tenho em mim palavras que nenhuma outra língua tem e que sou a saída para a tua ânsia de querer expressar, querer entender e querer não esquecer.
— Sim, sim…
— Talvez prefiras acreditar que sou e surjo muito mais e melhor da forma como me escrevem, e talvez depois percebas que, na verdade, sou muito mais, e melhor, do modo como me falam, embora no fundo intuas que eu esteja muito mais próxima de mim mesma, e de ti, quando sou da maneira como me pensam… Anotaste?
— Sim. Disseste tudo. Como sempre… Obrigado.
— Conta comigo, sempre que precisares…
— Conto, sim, amada Língua! Quando eu conto, é sempre contigo.
Oi Juva! Gostava muito de adquirir o teu livro "O menino que guardava as palavras na barriga"... será possível? como posso fazê-lo? Abraço. Gui
ResponderExcluirJuva, gostava de adquirir o seu livro "o menino que guardava palavras na barriga", será possível?
ResponderExcluirAbraço,
Gui
Olá caro Juva! O meu nome é Guilherme e não tenho outra forma de o contactar. Estava deveras interessado em adquirir o seu livro "O Menino que Guardava Palavras na Barriga", será possível? Obrigado e um abraço!
ResponderExcluir