Ilustração: Alice Batella |
Sempre me orgulhei dos meus bons dias. Digo os bons dias em bom som, com bom humor, olhando nos olhos do recebedor. E são todos, ou quase todos. Começo a manhã pelos porteiros, continuo pelos motoristas de ônibus e pelas pessoas ao lado de quem me sento. Sigo pelos guardas da entrada do clube onde nado, e bom dia à salva-vidas da piscina, bom dia aos técnicos, aos funcionários do vestiário, aos motoristas da volta, às meninas do café onde bebo a minha média e como o meu pão de queijo, e a quem cruzar o meu caminho ao longo de toda a manhã. E das boas tardes passo às boas noites, e sigo na boa.
Até que ela apareceu numa manhã, sentada, afastada da esquina onde moro e num trecho esburacado da calçada. E lá se acocorou muito encolhida, abraçando os joelhos e tendo ao lado um potinho com bananadas e paçocas. Nunca comprei as bananadas e paçocas, evito olhá-la nos olhos, evito dar-lhe dinheiro e nunca lhe dei bom dia. Fico sem graça, um pouco por mim e mais por ela, ali, agachada, os joelhos abraçados como se já não pudesse abraçar coisa alguma, e por isso abraça os próprios joelhos.
Terá entre cinquenta e sessenta anos, negra, baixa, muitíssimo magra, e o espaço que ocupam aquele tronco mirrado e aqueles joelhos abraçados é mínimo. Por ela muitas pessoas vão e vêm, e é assim que vê o mundo, de baixo, à altura de canelas. Todos apressam o passo quando a veem de longe, e por ela passam com as cabeças viradas — um pouco para o lado para fugir do seu olhar magro. E eu faço o mesmo.
Quando lhe dou moedas e notinhas, o coração um pouco acelerado, rejeito as bananadas e paçocas. Eu deveria receber as bananadas e paçocas, que são, afinal, produto do seu comércio. Mas não. Por que tantos sentimentos envolvidos, e o meu coração um pouco acelerado?
Sinto culpa por mim, caminhando em direção a uma média com pão de queijo integral e podendo dar-lhe dinheiros que para mim pouco significam, já que estão sendo dados, e para ela muito significam, já que estão sendo recebidos. E sinto vergonha por ela, que poderia estar recebendo uma remuneração pelo seu comércio, não fosse eu, atrapalhado na minha culpa, negar-lhe esta dignidade. Se eu aceitasse as bananadas e paçocas, as moedas e notinhas não se transformariam em esmola e aquela mulher, que sorri e sempre me agradece, não seria para mim uma mendiga.
Nunca lhe dei bom dia, até o dia em que, me olhando magro e me oferecendo bananadas, quatro por dois reais, ela me deu, como sempre deu, o seu “bom dia”. E eu, coração e passo acelerados, devolvi o cumprimento com um “hoje não tenho trocado”, e segui em frente. Foi quando ouvi, atrás de mim e vindo de baixo, o seu recado: “Estou apenas lhe desejando bom dia, senhor...”.
Seu nome é Eliane, mora em Parada Angélica, “pra bem dentro de Caxias, senhor...”, e não faz as bananadas e paçocas; compra-as feitas e vende por quase o dobro. Escolheu o trecho esburacado da calçada, afastado da esquina, porque o moço do cabeleireiro ordenou que ela não ocupasse a esquina da rua porque senão afastaria as clientes do seu salão.
Antes de acabar este texto, e muitos outros textos, já lhe dei bom dia. Agora dou sempre o meu bom dia à Eliane, pago-lhe pelo seu trabalho, e venho colecionando bananadas e paçocas.
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Ilustração:
Alice Batella
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