4. “A vida em cor-de-rosa” (“O fazedor de mulheres”),
Revista Lilica and Tigor, São Paulo, mar. 2011 (data aproximada).
Sempre disse à mãe das minhas duas miúdas que eu,
nesta vida, só faria mulheres. E, de fato, tudo o que fiz até agora, sem contar
alguns livros, foram mulheres. Antes mesmo que nascesse a pequena Alice, eu já
tinha dito à Teresa: “Daqui só saem mulheres. Queres uma filha? Eu te dou (em
Portugal juntaria o pronome ao artigo, dizendo: eu ta dou). Se queres um filho, já não posso ajudar-te…”. Ela queria
uma menina, e nasceu uma menina. Quando começamos as preliminares para uma
segunda criaturinha, o mesmo disse eu, e assim foi feito, ou melhor, assim foi
feita, e surgiu a Clara, a Clarinha.
Gosto de estar rodeado mais por mulheres do que por
homens, e esta história de convívio feminino é longa e, como quase tudo, tem as
suas origens na famosa infância. Estudei
anos num colégio de freiras, o Stella Maris, que abriu as suas belas portas de
madeira aos homens justamente no ano em que entrei, e comigo entraram não mais
que dez gatos pingados. Depois de alguns anos no Stella Maris, fui atirado, e
contra a minha vontade, no Santo Agostinho, colégio masculino e chato, mas que,
no ano em que entrei, havia também aberto as suas pesadas portas de ferro às
meninas, e, ao contrário do primeiro caso, não foram poucas as que entraram,
lépidas e fagueiras. E o Santo Agostinho deixou de ser chato.
Passada a adolescência, período em que mais nos
divertimos e mais sofremos, casei-me, disposto a encher o mundo de mulheres. E
hoje vivo entre duas filhas mulheres que estão a crescer. Digo que não, não é
fácil. Nunca sabemos muito bem o que é que querem as mulheres e nem como
funciona, exatamente, o painel de controle que têm.
Estou sozinho, pensava eu, em meio a três mulheres.
Preciso de ajuda. E num belo dia, ao amanhecer, acordei com a ideia de arranjar
um parceiro que me ajudasse. Peguei o carro, fui a um centro comercial, entrei
numa loja cor-de-rosa, olhei à volta e lá, num canto, encontrei-o. O meu
parceiro, o meu companheiro de lutas. Lá estava ele, o Ken, muito bem instalado,
sorridente e cheio de si, montado num cavalo e rodeado de Barbies apaixonadas.
Negociei com o dono da loja cor-de-rosa a aquisição do Ken, que apeou do cavalo
meio contrariado, é verdade, mas sem perder nunca aquele sorriso beatífico, e
lá fomos os dois para casa, eu a dirigir o carro, claro.
Nossa chegada foi triunfal. Combinei com o Ken que ele
me ajudaria com as três mulheres da casa. Ele me olhou e, sempre com aquele
sorriso, que às vezes é apalermado, não disse nada, mas julguei que havia entendido
o recado. Ao fim de uma bela tarde de chuva, ao cair da noite, e eu já sem ver
o Ken há alguns dias, precisei dele, mais do que nunca, e não o achava em parte
alguma. Horas depois, e já tendo eu mesmo, sozinho, apaziguado o ânimo das três
mulheres, encontrei finalmente o gajo, o traidor. Num canto do armário, em meio
a roupinhas e espelhos e escovinhas de cabelo, lá estava o Ken, o hedonista, alheio
a tudo, muito bem aconchegado e abraçado a quatro Barbies de bikini.
Demiti o Ken.
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