11 de novembro de 2010

"Os doidos de razão"

"Não fazia portanto a mínima ideia da razão porque alguém me estava a telefonar às três e meia ou quatro horas da manhã.

“Professor Feynman?”

“Sim. Por que é que me vem incomodar a esta hora da manhã?”

“Pensei que gostaria de saber que ganhou o Prémio Nobel.”

“Sim, mas estou a dormir. Seria melhor ter-me telefonado de manhã”, e desliguei.

A minha mulher perguntou: “O que era?”.

“Disseram-me que ganhei o Prémio Nobel.”

“Oh, Richard. Quem era?” Costumo pregar-lhe umas partidas, mas ela é tão esperta que nunca se deixa enganar; contudo, daquela vez apanhei-a.

O telefone voltou a tocar: “Professor Feynman, ouviu...”.

(Com voz desapontada.) “Sim.”

Então comecei a pensar: “Como é que eu vou acabar com isto?”. Por isso, a primeira coisa que fiz foi desligar o telefone, porque as chamadas vinham umas a seguir às outras. Tentei voltar a adormecer, mas não consegui.

Fui até ao escritório para pensar. “O que vou fazer? Talvez não aceite o Prémio. Nesse caso o que aconteceria? Talvez não seja possível.”

Volto a pôr o auscultador no gancho e o telefone toca imediatamente. É um tipo da revista Time. Disse-lhe: “Ouça, tenho um problema, por isso não quero que isto seja publicado. Não sei como sair disto. Há algum meio de não aceitar o Prémio?”.

Ele disse: “Receio que não haja nenhum meio de o fazer sem causar ainda mais confusão do que deixando as coisas como estão”. Era evidente. Tivemos uma grande conversa, durante quinze ou vinte minutos, e o tipo da Time nunca publicou nada sobre ela.

Agradeci ao tipo da Time e desliguei. O telefone tocou imediatamente. Era do jornal.

“Sim, pode vir cá a casa. Sim, está bem. Sim, sim, sim...”

Um dos telefonemas foi de um indivíduo do consulado sueco. Ia dar uma recepção em Los Angeles.

Achei que, já que ia aceitar o Prémio, tinha de me sujeitar àquilo tudo.

O cônsul disse: “Faça uma lista das pessoas que gostaria de convidar e nós faremos uma lista das pessoas que vamos convidar. Depois vou ao seu gabinete para compararmos as listas e vermos se há alguma repetição, e fazemos depois os convites...”.

Por isso fiz a minha lista. Tinha umas oito pessoas: o meu vizinho da frente; o meu amigo Zorthian, o artista; etc.

O cônsul veio ao meu gabinete com a sua lista: o governador do estado da Califórnia; Fulano; Beltrano; Getty, o do petróleo; algumas actrizes — eram trezentas pessoas! E, escusado dizer, não havia nem uma única repetição."

Richard Feynman, Está a brincar, Sr. Feynman!, Lisboa, Gradiva, 1988, p. 287-288.

(Richard Feynman ganhou o Nobel de Física em 1965, juntamente com o americano Julian Schwinger e o japonês Shin'ichiro Tomonaga - este dois últimos também, imagino, muito doidos.)

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