Para Byron Mello Rosa
Havia
o mar, a terra e muitos pinheiros que, espetados a alguma distância da praia,
apontavam o céu. Não havia ninguém naquela praia do Algarve, apenas bancos de
areia fofa a formar suavíssimas inclinações — brancas quando de frente para o
sol, brancas nos momentos de sombra, brancas também à noite. No céu, nem mesmo
uma única cor parecia inteira, tudo um vinho a misturar-se com azul e amarelo,
tudo um quadro. Ali, onde só havia os dois, formavam os dois juntos, no espaço
indeterminado de uma praia que se perdia, um mesmo ponto — deitados um sobre o
outro e a beijarem-se. Não se sabe o que ocorreu, mas é possível imaginar tudo
o mais olhando-se para a dobra daquele meio sorriso, é verdade que tímido, mas
enfim.
Depois,
muito ou algum tempo depois, sentiram fome e sede. Atravessaram sem pressa o
espaço incontornável da uma praia deserta e chegaram a uma espécie de
mercearia, birosca, tasca, casebre de madeira fincado na areia e sonolentamente
presidido por um só homem, grande e forte. Sentaram-se e esperaram. O vendeiro
atravessou a areia que separava o seu balcão do conjunto de banquinhos e mesas,
atravessou-a como se não tivesse fim, e plantou-se à frente dos dois, curioso,
a olhá-los.
— O senhor tem aí uma cerveja? — perguntaram-lhe.
— Pois tenho — disse, girando os polegares.
— e
dois cachorros-quentes também.
— Mas isto não é peixe que se pesque por aqui!
— O senhor teria então algum sanduíche?
O vendeiro parou com os polegares no ar e não disse
mais nada.
— Queremos saber se o senhor tem aí algum pão —
disse ela, pela primeira vez abrindo a boca desde a hora em que a abriu pela
última vez, durante o beijo na areia sobre o qual pouco se sabe.
— Pão não tenho. Só caseiro. Está ali — apontou.
E foram lá os dois a cortar o pão numa bancada de
madeira. Cortado o pão, olharam-se. Chamaram o vendeiro:
— O senhor tem aí algo que se possa colocar dentro
do pão?
— Dentro do pão?
— Sim, senhor. Dentro do pão.
— Eu não tenho nada, não.
— O senhor nos dá licença?
O homem resmungou e, com o resmungo, pareceu ter
concedido a licença. Foram então ele e ela na direção de algumas prateleiras,
escolheram recheios e molhos, levaram tudo para a mesa, pegaram as cervejas,
comeram, beberam e, fartos de olhar o mar, beijaram-se mais uma vez.
E
chamaram o vendeiro:
— O senhor poderia trazer-nos a conta, se faz
favor?
O homem inclinou muito pouco a cabeça, espremeu os
olhos e levantou as sobrancelhas. Depois de algum tempo, ela decidiu insistir:
— Quanto é que nós devemos ao senhor?
O vendeiro, balançando os ombros e um pouco
impaciente, disse apenas:
— E como é que eu posso saber?
— O senhor então nos dá licença?
E levantaram-se. O vendeiro aproveitou para
sentar-se num banquinho, pernas abertas e braços apoiados no joelho, e
acompanhá-los com o olhar enquanto se dirigiam ao balcão. E lá ficaram os dois
um bom tempo, falando baixinho, a tentar pesquisar na gaveta de notas e no
caderno da mercearia uma maneira de bem calcular o preço do pão e do que dentro
dele puseram.
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