A
noite está curvada sobre a janela do quarto de dormir da filha da empregada. A
filha da empregada ainda não é também uma empregada. Pode suceder que sua vida
siga por onde não segue a de uma empregada. Mas isto não está acontecendo, pois
que a noite, por enquanto, ainda está curvada sobre a janela do quarto de
dormir da menina.
A mãe, no momento, está trabalhando
na cozinha, lavando pratos, panelas, talheres e copos. Os convidados de seu
patrão bebem e conversam na sala de estar. Não vêem a noite, bem como a menina
em seu quarto também não.
A noite, lá fora, ocupa todo o
quintal. Entra por debaixo das folhas das árvores, escurecendo os ninhos dos
currupacos e facilitando o trabalho daqueles que se aproximam para devorar os
currupacos. Envolve os ramos das plantas que ainda estão para crescer e que
precisam do orvalho que só vem com a noite para se refrescar do calor do dia e
para se preparar para o calor do sol que o dia trará. Cuida de alargar o buraco
das pupilas dos que andam à noite, para que possam perceber, plantado no chão,
o buraco dos caminhos; para que possam não perder, na tocaia do céu, com suas
mil nuanças, o céu.
Mais coisas faz a noite. Da à luz os
recém-nascidos vindos da noite de dentro de cada mãe; acorda morcegos; faz
acenderem-se lampiões; desculpa amantes e vergonhas; vive medos e cala
telefones. À noite, o banco das praças muda de cor e reflete a lua. As formigas
interrompem o trabalho iniciado ao amanhecer, e as minhocas, ao anoitecer,
recomeçam o trabalho da perfuração, pois a noite penetra a terra e a umedece.
Então as minhocas se reproduzem. Reproduzem-se também os homens, já que, à
noite, há menos ruídos nas cidades e a campainha não toca.
Na sala de estar, o telefone não
pára de tocar. Os convidados do patrão da mãe da menina sobre cuja janela está
curvada a noite não param de comer. É uma pena, pois que a noite, parando tudo
o que costuma fazer, no momento é vista apenas debruçada sobre a janela do
quarto de dormir, fazendo a cama para os grandes sonhos da filha da empregada.
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